A Pior Lesão de Neymar – Fratura da Base do V Metatarso

  • Em jogo do PSG contra o Strasbourg, em 23/01/2019, Neymar sofre nova lesão em seu pé direito, a mesma que ameaçou sua participação na Copa da Rússia em 2018:

Entenda o Caso:

  • Fevereiro de 2018: em jogo contra o Olympique Marseille, ao final da segunda etapa, Neymar sofre torção do pé em Inversão e Plantiflexão. Confira o Lance:

Inicialmente, a hipótese principal era de uma Torção Lateral (diagnóstico diferencial), em função do mecanismo e por ser a lesão esportiva mais comum:

Todavia, posteriormente, foi confirmada uma Fratura de Base do V Metatarso do seu pé direito:

Entenda:

Anatomia

Quem são os são Metatarsos:

Os Metatarsos constituem um total de 5 ossos, os quais são uma continuação posterior dos dedos (Falanges):

O osso da fratura inicial de Neymar foi o quinto Metatarso, o mais lateral (lado externo do pé), que é palpado superficialmente em sua Tuberosidade (sublinhada em vermelho na imagem acima)

Os metatarsos são divididos em 3 partes: Cabeça, Corpo e Base. A cabeça se articula com as falanges (dedos), o corpo fica logo atrás – parte mais longilínea do osso -, e a base está ainda mais posterior, compondo a articulação entre ante e médiopé. A lesão do jogador ocorreu na base.

Por que a fratura ocorreu ali?

Para a compreensão, é necessário recapitular o movimento natural do pé durante a marcha. Conforme ilustrado no vídeo abaixo, ao tocarmos o solo, nosso pé está em posição de leve inversão (sola do pé apontando para dentro), cabendo a 2 músculos, realizarem a Eversão – apontar a sola do pé para fora -, a fim de amortecer o impacto e “endireitar o pé”, evitando o mecanismo de entorse Lateral (Observar no vídeo abaixo). Esses músculos pertencem ao Compartimento Lateral da Perna, que é constituído pelos Fibulares: Longo e  Curto.

 

O sentido das fibras desses músculos denuncia o sentido da contração. Proximalmente (origem), ambos estão fixados à face lateral da fibula; distalmente,  o Fibular Curto está inserido na Tuberosidade do V Metatarso, já o Longo, na parte inferior do pé (Base do 1º Metatarso e Cuneiforme Medial). Dessa forma, por meio de suas inserções e movimentos sinérgicos, o pé é evertido após a aterrissagem. Além disso, esses músculos também realizam leve flexão plantar, contribuindo para aumentar a estabilidade, pois o o osso tálus é mais estreito na parte posterior, o que favorece a instabilidade quando o pé está fletido.

Tomando como base as inserções, é percebido que quem está ancorado ao quinto metatarso é o Fibular Curto. Por meio deste tendão, no momento de entorses em inversão súbitas, como a de Neymar, é possível que ocorra uma fratura do osso (na base do 5º Metatarso), onde está inserido o tendão).

Isso ocorre pois o tendão serve como impedimento ao movimento de inversão (virar o pé para dentro), que quando ocorrido pode avulsionar o osso. Além do Mais, o mecanismo pode ser potencializado pela contração do músculo Fibular curto, que ao perceber que o pé está sendo invertido em demasia, tenta compensar “puxando para seu lado (eversão)”. Entretanto, nesse tipo de entorse o pé geralmente está fixo no solo, o que impede a realização do movimento compensatório. Dessa maneira, a contração apenas encurta o músculo sem movimentar a inserção distal, o que tensiona ainda mais o tendão e sua inserção, favorecendo a fratura.

Além de Tensão exercida pelo tendão do músculo fibular curto, a Banda lateral da Aponeurose Plantar (Fáscia Plantar) também pode ter papel um importante por mecanismo semelhante, pois também está ancorada na tuberosidade do V Metatarso:

 

O que pode ter contribuído:

A lesão ocorreu muito próxima do final da partida. Muito provavelmente, devido à fadiga, os músculos eversores não contraíram com a intensidade necessária ou tardiamente, falhando em antagonizar a inversão, o que facilitou a lesão. Ao final do jogo, há maior fadiga periférica e central (sistema nervoso).

→ A falha periférica, em nível muscular,  pode se dar seja por menos ATP (energia celular) disponível, seja pelo acúmulo de metabólitos de vias energéticas alternativas (metabolismo anaeróbio), que alteram o meio muscular ideal para o bom funcionamento da contração.

→ Em nível Central, o mecanismo se dá pela fadiga do sistema nervoso em mandar “mensagens” de contração ao músculo, essa que, inclusive é a teoria mais aceita para a explicar as Câimbras. Outra consequência pelo “cansaço de enviar de recados” pelo sistema nervoso pode ser uma falha proprioceptiva (propriocepção = ter consciência da localização do membro no espaço). Uma pequena falha no envio da mensagem a respeito da posição do pé de Neymar pode ter causado um erro de cálculo em relação ao movimento correto na hora de pisar no chão, causando o movimento equivocado.

Esse é o mecanismo do Trauma Agudo; porém, é preciso ir mais além:

Fraturas por Estresse

A rotina de atletas de elite envolve, muitas vezes, esforços supra fisiológicos. Isso inclui burlar prazos de descanso ideais, treinar e atuar com dores e até mesmo com lesões residuais, pois, além do grande número de partidas e/ou jogos decisivos na temporada também há a pressão dos patrocinadores, torcida e dirigentes. Naturalmente, tudo isso envolve grandes quantias de dinheiro. Quando se fala de Neymar, os valores são ainda maiores, visto que sua contratação foi nada menos que o maior valor em transferências da história do esporte – 222 milhões de Euros -, o que faz com que sua ausência em apenas um partida cause um prejuízo milionário a diversas partes.

Portanto, o cenário do meio esportivo profissional vai contra parâmetros fisiológicos, incluindo o “turn over” do sistema esquelético. Em curtas palavras, o esqueleto ósseo é como uma “conta bancária” – há elementos e entrando e saindo, caracterizando o processo de remodelação óssea.

Essa “conta” envolve variados agentes, como tipo de estímulo, hormônios, nutrientes, repouso, e muitos outros. Porém, é possível simplificar a equação no caso de grande parte dos atletas de elite, visto que o grande fator limitante ao processo fisiológico é o repouso.

As sessões de treinamento requerem descanso para a recuperação (pelos osteoblastos) dos micro traumas fornecidos ao esqueleto. Então, como esse tempo não é respeitado ou há estímulo por deveras destrutivo, ocorre predomínio da reabsorção óssea (pelos osteoclastos), resultando em um osso com menor densidade e mais sujeito a fraturas nas regiões de estresse. Em outras palavras, o saldo de nossa “conta bancária” fica negativo, o que “prepara o palco para uma lesão maior”, como citado pelo Dr. Sérgio Peixoto, nesse caso uma Fratura por Estresse:

“Há tanta reabsorção na região que é formada uma linha de fratura; ou, a região fica tão frágil que  fratura com um trauma com energia habitualmente incompatível para tal”

Por que nos Metatarsos?

No futebol, entre as partes mais exigidas estão os pés, o “instrumento de trabalho” da modalidade. Por questões anatômicas, grande parte da confluência das cargas axias (peso do corpo) se dá na região dos Metatarsos, pois é onde se intercruzam os Arcos Plantares. Possuímos três (3) arcos plantares, que, simplificadamente, são estruturas que atuam como amortecedores fisiológicos dos pés.

No futebol em especial, devido à demanda de ampla mobilidade imposta aos pés, além da sobrecarga comum das cargas axiais, também acontece a sobrecarga pelo mecanismo de inversão súbita e a consequente tensão imposta pela inserção do músculo Fibular Curto. Por isso, o principal lesionado dos Metatarsos nesse esporte é justamente o Quinto (V), bem como em outras atividades que envolvam súbitas mudanças de direção com associação de longas distâncias percorridas, como no basquete.

 

Síntese:

A lesão que acometeu Neymar, ainda em Fevereiro de 2018, foi uma fratura por estresse, a qual foi deflagrada pelo evento agudo causado pela ação da inserção do Músculo Fibular Curto. Em resumo, a região poderia estar fragilizada e ainda sem sintomas, porém, o mecanismo traumático tornou possível o quadro.

Tratamento

Em grande parte dos casos (fraturas não desviadas, com desvio mínimo, atletas amadores…), o tratamento é realizado de maneira conservadora – sem cirurgia. Todavia, em atletas profissionais, devido às grandes cargas impostas na região, tal como a impossibilidade de correr riscos a respeito de insucesso no tratamento, é realizada a terapia cirúrgica – Redução aberta com fixação interna com parafuso-, como foi o caso de Neymar.

Raio X ilustrativo, pois informações dos casos são mantidas sob sigilo médico, impossibilitando detalhes e fontes confiáveis a respeito da localização exata e Zona da Fratura*, para assim descrever o caso com melhor exatidão. Mas o que são as Zonas de Fratura* da Base do V Metatarso?

*As Fraturas da parte proximal – da Base – do V metatarso possuem 3 zonas:

Zona 1: Extremidade óssea (tuberosidade do V metatarso) avulsionada pela torção

Zona 2: Metáfise (Fratura de Jones), também causada pela torção, porém sem avulsão*

Zona 3: Parte Proximal da Diáfise, principalmente por estresse*

*Há artigos englobando as zonas II e III, devido a semelhança no manejo e prognósticos, tal como os possíveis riscos de má consolidação devido ao mau suprimento sanguíneo, especialmente nessa região. Em função de ser área divisória, caso houver lesão da artéria nutrícia nessa região, pode haver uma pseudoartrose, condição associada à má consolidação, onde os 2 fragmentos permanecem com relativo movimento, levando a consequências graves, como osteoartrite e dor pós-traumática.

Após o procedimento cirúrgico e tempo de recuperação de 3 meses terem ocorrido normalmente, Neymar voltou aos gramados, tendo disputado a Copa do Mundo na Rússia. Posteriormente, não perdeu nenhuma partida em função de sua antiga lesão no pé direito. Desde então, tudo parecia seguir bem, até os 60 minutos do jogo contra Strasbourg, no dia 23/01/19:

  • Janeiro de 2019: após sofrer falta, Neymar repete o mecanismo da lesão em 2018: inversão súbita em plantiflexão. Confira o lance:

Em pronunciamento oficial do clube, não foi revelado se a fratura aconteceu no mesmo lugar ou em um local novo. Por consenso, a equipe médica do Paris St-Germain (PSG), em conjunto com médico da seleção brasileira Rodrigo Lasmar, optaram pelo tratamento conservador. Retorno é previsto em 10 semanas (2 Meses e Meio), eliminando todas as possibilidades do grande nome do time francês encarar o Manchester United, nos dois confrontos decisivos válidos pelas Oitavas de Finais da UEFA Champions League (UCL). Na temporada anterior, Neymar já havia perdido, por lesão no mesmo local, jogo de volta contra o Real Madrid, partida que resultou na eliminação do PSG da última UCL.

 

Olhar Anatômico sobre o Caso

Há Dois (2) Fatores Anatômicos importantes a serem destacados nesse caso:

1) A possibilidade de uma má consolidação da fratura inicial, em função do mau suprimento sanguíneo da base do V Metatarso, em especial na Zona II e III (abordadadas acima), local provável da primeira lesão (fev/18).

2) A angulação das articulações dos membros inferiores do atacante do PSG. Neymar possui Coxa Vara, o que repercute em um Retropé Varo, condição que apresenta maior incidência de lesões desse tipo, devido ao estresse aumentado na região do quinto metatarso. Entenda:

O que significa Varo?  É um termo latino, que descreve quaisquer deformidades que afastam a articulação da linha média do Corpo e aproxima a extremidade distal do ponto de referência (articulação). Também, há o termo Valgo, que é o oposto, o qual é mais comum em mulheres devido aos quadris mais largos:

Essa característica possui repercussões nos pés, de modo que a continuação do joelho Valgo, o Pé Varo, distribui a carga axial (peso do corpo) na região lateral, onde está situado o Quinto Metatarso:

Essa deformidade é originada em função do ângulo do Colo e Corpo do Fêmur,  é comum em bebês, mas geralmente desaparece com o avançar dos anos. Inclusive, é uma tendência natural da angulação do colo do fêmur passar de Vara, na infância, a valga, na velhice.

Atenção ao Membro Inferior Varo e a Pisada em Supinação característicos da biomecânica de Neymar, sobrecarregando o Quinto Metatarso e podendo predispor a fraturas por estresse devido a microtraumas:


Além de Neymar, alguns exemplos de jogadores de futebol com a mesma lesão e tratamento:

  • Lionel Messi, 2006: em função de lesão em 13/11/2006, Messi não jogou contra o SC Internacional no mundial de clubes FIFA, o qual culminou com o título do colorado.

 

  • Gabriel de Jesus, fevereiro de 2017: logo após chegar ao Manchester City, o ex-atacante do Palmeiras emendou o término da temporada Brasileira com o Campeonato Inglês, não tendo tido férias. Dessa forma, o grande período de atividade sem o descanso necessário pode ter sido decisivo para o evento agudo – a fratura no Quinto Metatarso -, ocorrido logo nos primeiros minutos do jogo contra o Bournemouth, em 13/02/2017. Após o início arrasador na equipe inglesa, Gabriel de Jesus teve que parar por quase 3 meses devido a cirurgia semelhante a que passou Neymar – Redução aberta com fixação interna com parafuso.

 

  • Danilo Fernandes, abril de 2017: nessa ocasião, ocorreu um fato inusitado no SC Internacional – os 3 goleiros da equipe principal de lesionaram na competição (Campeonato Gaúcho/Gauchão).

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