Apresentação na Jornada Gaúcha de História da Medicina

Após a aprovação e seleção do trabalho pela comissão Julgadora da VI Jornada Gaúcha de História da Medicina, a apresentação ocorreu dia 17/09/18, nas instalações do prédio do Teatro da UCS. A coordenação da atividade se deu pelo  Jorge Abib Cury, e a banca avaliadora foi composta pelo Drs. Guilherme Bosi e Darcy Ribeiro Pinto.

A temática central tratou das descobertas fisiológicas e suas aplicações à prática esportiva de alto rendimento. A exposição dos fatos se deu de maneira cronológica, partindo dos “primórdios”, para, finalmente, chegar ao “pódio” do jamaicano Usain Bolt, o qual se fez valer do conhecimento conquistado ao longo dos séculos para, assim, quebrar mais um recorde mundial no 100m rasos.

 

Resumo da Apresentação:

Medicina e Esporte: dos primórdios ao pódio

Daniel Strohschoen Bohn*, Ildo Sonda**

*Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

**Médico legista e Neurocirurgião, Professor de Medicina da UCS

 

Introdução

As descobertas sobre o funcionamento do corpo humano foram graduais ao longo da história, para, posteriormente, serem aplicadas ao exercício físico. Desde o século XXX a.C.,  diversas civilizações e nomes da história médica já testavam o trabalho do corpo e suas capacidades, incluindo Hipócrates e Galeno. O texto trará uma progressão das principais descobertas até os dias atuais, visto que, ao longo dos séculos, diversos nomes contribuíram para o conhecimento da “Humani Corporis Fabrica”, primeiro pela sua forma – anatomia -, para, depois, chegar ao funcionamento dos mais complexos sistemas – fisiologia. Dessa forma, com o descobrimento das bases fisiológicas, foi  possível o desenvolvimento de meios cada vez mais eficazes que permitiram potencializar as aptidões físicas. O objetivo do trabalho é trazer à memória as principais descobertas da área médica que elucidaram o funcionamento do organismo, bem como sugerir associação entre a aplicação de determinados conhecimentos fisiológicos com melhorias de performance documentadas ao longo dos Jogos Olímpicos da Era Moderna.

História da Medicina e Exercício ao Longo dos Séculos

Povos antigos da Idade do Bronze, Impérios de Davi e Salomão, territórios babilônicos, pérsicos, Macedônia, bem como civilizações antigas de Síria e Egito, Arábia, China e Índia já praticavam exercícios físicos – testavam o corpo sob estresse. Entretanto, a maior influência para a civilização ocidental veio dos médicos gregos da antiguidade, dentre os quais estão Heródico (V a. C.) e Hipócrates de Cós (460 – 377 a.C.), que abordaram exercício físico em seus tratados sobre medicina. Erasístrato (304 a.C. – 250 a.C.), tido como o pai da fisiologia, postulou importantes lições, entre elas, que os músculos são os responsáveis pelo movimento do corpo e que o coração funcionava como uma bomba, e não como o centro das emoções. Mais tarde, C. Galeno (130 d.C. – 210 d.C.), legou tratados incluindo temas de anatomia, fisiologia, nutrição e efeitos do exercício. Entre a era galênica, em 200 d.C., e o fim do século XV houveram poucos avanços até a chegada do Renascimento.

No campo da anatomia, as descobertas mais impactantes ocorreram a partir da publicação do primeiro livro de Anatomia por Mondino de Liuzzi (1270 – 1326). Entre seus contemporâneos, Leonardo da Vinci (1452 – 1519) obteve destaque por, além das ilustrações de estruturas anatômicas com exatidão, desenvolver um sistema, pela disposição de fios, explicando os movimentos musculares. Em 1539, o médico italiano H. Mercurialis (1530 – 1606) publicou De Arte Gymnastica Apud Ancientes, afetando as publicações subsequentes por abordar os exercícios e o treinamento físico (de guerra, atlética ou médica) para o fim almejado. Posteriormente, ocorreu a publicação, em 1543, de obra anatômica revolucionária – De Humanis Corporis Fabrica – por Andrea Vesalius, o qual além da exatidão nas representações buscou conectar a forma com a função. Em meados de 1616, veio a descoberta de W. Harvey, que revolucionou conceitos Galênicos ainda vigentes: Harvey comprovou o fluxo unidirecional de sangue e explicou a circulação. Dentro da anatomia respiratória, obtém destaque G. A. Borelli (1608 – 1678), que derrubou o conceito galênico de que o ar nos pulmões esfriava o coração. Dessa maneira, as descobertas anatômicas, além de fornecerem base aos fisiologistas, elucidaram macroscopicamente o principal mecanismo gerador de movimento nas atividades física: o sistema musculoesquelético.

Cientistas subsequentes forneceram pistas de como o corpo humano reagiria em situações de estresse, como no exercício, por meio do estudo do metabolismo. S. Santorio (1561 – 1636) obteve destaque demonstrando as variações de temperatura, pulsos e peso, de acordo com ausência de comida, atividades físicas ou excreção. A.  Lavoisier (1743 – 1794) anunciou os conceitos modernos de metabolismo, nutrição e fisiologia do exercício. Suas descobertas reconheceram a combustão do oxigênio durante a respiração, permitindo estimar a demanda energética em diferentes atividades, como em repouso e na atividade física. Os postulados de Lavousier foram aprofundados, em especial, por L. Spallanzani (1729 – 1799) – respiração interna – e C. Berthollet (1748 – 1822) – quantidades diferentes de calor liberadas pela combustão de “carboidratos” e “gorduras”. Por meio dessa combinação de descobertas, somadas às contribuições de J. Proust (1755 – 1826) de W. Prout (1785 – 1850),  é possível calcular a energia fornecida aos atletas de acordo com cada alimento ingerido, bem como o gasto energético por meio do volume de CO2 expirado.

O nascimento da eletrofisiologia, muito usada nos atletas atuais – como no ECG ou ENM –  ocorreu com L. Galvani (1737 – 1798) e A. Volta (1745 – 1827). Estímulos elétricos em nervos de rãs por Galvani, somados às observações de Volta, postularam que contrações musculares eram provocadas por eletricidade, sendo esta importante para o sistema nervoso. O potencial de ação foi descoberto por E. Bois-Reymond (1818 – 1896), que defendia que o músculo é constituído por “moléculas elétricas” excitáveis, que hoje conhecemos – os íons – e estão presentes em bebidas esportivas desde meados do século XX.

No campo da gastrofisiologia, essencial ao desempenho físico e muito explorada com os suplementos alimentares, até W. Beamont (1785 – 1853) se acreditava que o estômago produzia calor e de alguma “cozinhava” os alimentos, tal como um forno. Beamont fomentou a pesquisa da digestão através da observação e estudos do conteúdo gástrico. Posteriormente, Claude Bernard (1813 – 1878) elucidou o papel do suco gástrico, além das descobertas da função gliconeogênica e glicogênica do fígado, sendo essas funções a chave para o entendimento da questão energética durante os esportes.

Na fisiologia respiratória, H. V. Regnault (1810 – 1878) e E. Smith  (1819 – 1874) lançaram mão de experimentos em condições de exercício físicos e privação de alimentos. Nessas situações, os gases respiratórios e excreção a urinária de nitrogênio fornecerem importantes pistas metabólicas. A. Fick anunciou a lei da difusão de gás em membrana, permitindo que  C. Bohr (1855 – 1911) descobrisse o papel da hemoglobina e sua relação com o transporte de O2 – o Efeito de Bohr –, comprovado pelos experimentos de seu aluno A. Krogh (1874 – 1949) – Nobel de Medicina em 1920 por descobrir regulação dos capilares no músculo. Tais descobertas lançaram as bases para o entendimento da ergoespirometria, usada hoje para avaliar o VO2 máximo e o rendimento em provas de resistência – endurance.

A elucidação vias do metabolismo energético vieram ao longo da primeira metade do século XX.  A primeira a ser descoberta foi a glicólise, em músculos ocorreu na década de 30 por G. Embden (1884 – 1951) e O. Meyerhof (1884 – 1951). O entendimento e integração das vias aeróbicas e anaeróbicas se deu, em especial, pelas descobertas de 1948 – fosforilação oxidativa na mitocôndria, por E. Kennedy (1917 – 1963) e A. Lehninger (1917 – 1986) – e de 1953 por H. Krebs (1900 – 1981) e F. Lippman (1899 – 1986), que dividiram o prêmio Nobel da Medicina pela contribuição relativa a via intermediária fundamental para entendimento da geração de energia. O papel da creatina, descoberta em 1831 por Chevreul, só foi desvendado após a exploração da fosfocreatina, em 1923, e sua relação com ATP, evidenciado em estudos subsequentes posteriores a 1940. Finalmente, seu uso esportivo se popularizou apenas após a Olimpíada de Barcelona, em 1992, pelos resultados atribuídos.

Conclusão

Destarte, com o descobrimento da anatomia e o padrão de contração das fibras, foi possível a criação da biomecânica, aprimoramento da técnica e eficiência do movimento. Já a exploração dos sistemas fisiológicos permitiu mecanismos para testar capacidades físicas, como a ergoespirometria. Além disso, a descoberta das vias metabólicas energéticas viabilizou métodos de treinamento específicos para atingir a faixa de treinamento ideal para o esporte, além de propiciar o conhecimento a respeito do melhor substrato para determinada via obter a sinalização celular esperada. Tais descobertas, após integradas e aplicadas, puderam potencializar as capacidades físicas dos atletas, ao exemplo da comparação dos tempos nos 100m rasos de J. Owens, 10.3s, nos Jogos Olímpicos de 1936, e o de U. Bolt, 9.63s, em 2012.

Referências Bibliográficas

  1. Disponível em: http://www.aspetar.com/journal/viewarticle.aspx?id=322#.W39jouhKjIV. Acesso em: 26 ago. 2018.

2.Disponível em: https://www.iaaf.org/records/all-time-toplists/sprints/100-metres/outdoor/men/senior. Acesso em: 26 ago. 2018.

  1. GUIMARÃES-FERREIRA, Lucas. Role of the phosphocreatine system on energetic homeostasis in skeletal and cardiac muscles. Einstein (Sao Paulo), v. 12, n. 1, p. 126-131, 2014.
  2. MCARDLE, William D.; KATCH, Frank I.; KATCH, Victor L. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 1985.
  3. TIPTON, C. M. A history of exercise physiology in the United States. Part II. A contemporary historical perspective. History of Exercise and Sport Science. Champaign IL: Human Kinetics, 1997.

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